Algumas fontes apontam 2012 como ano de lançamento do token não fungível, o famoso NFT. Mas o marco desta tecnologia foi 2014, quando o artista digital Kevin McCoycom criou a obra de arte digital Quantum (imagem abaixo), o primeiro NFT do mundo. No entanto, foi apenas em 2017 que a tecnologia começou a ganhar popularidade, com o lançamento do jogo CryptoKitties, que permitia aos jogadores criar e colecionar gatos virtuais.
A partir de então as NFTs ganharam tanta notoriedade, que até mesmo o famoso dicionário Collins escolheu o termo como a palavra do ano em 2021. Mas será que a arte, reduto tradicionalmente conservador, está pronta para se abrir ao mundo dos NFTs? Talvez a resposta te surpreenda. Descubra neste artigo como os tokens não fungíveis estão desafiando as normas desse mercado e exigindo novos marcos legais para a sua negociação.
O que é NFT ?
Antes de seguir em frente, vamos definir o que é um NFT. Bem, NFT é a sigla para o termo inglês non-fungible token ou, em português, token não fungível (ou permutável). Trata-se de um item digital – como uma imagem, GIF, vídeo, entre outras possibilidades – cuja característica central é a singularidade, ou seja, não existe nenhuma outra cópia daquele determinado token.
Mas como uma imagem digital pode ser única se a sua própria natureza permite infinitas cópias? Afinal, ao que se destina a arte NFT, o que é o seu valor ?
Bem, parece mais complicado do que realmente é, mas vamos por partes. Primeiro, o que é um token? Token é um ativo digital que representa algo de valor, como dinheiro, bens, serviços, direitos ou, neste caso, obras de arte digitais. Assim, cada NFT está associado a um token, que contém as informações essenciais relacionadas ao item em questão (proprietário, preço, descrição, etc.). Esse token é registrado em uma blockchain, semelhante a um registro público, o que atribui a ele um identificador único. Isso garante sua exclusividade, mesmo que, por exemplo, essa imagem possa ser copiada. Em resumo, NFTs são como um título de propriedade para um item digital único. O proprietário de um token desse tipo tem o direito de usá-lo, vendê-lo ou transferi-lo para outra pessoa.
Graças a esse sistema, os NFTs conseguiram criar uma sensação de raridade em um domínio digital que, por natureza, permite reproduções de ficheiros. Dessa forma fica fácil compreender como o mundo de “digital art NFT” nasceu.
Como os NFTs estão a redefinir as normas do mercado de arte?
A autenticidade e a raridade de uma obra são os principais parâmetros procurados pelos apreciadores de arte. Com a tokenização e a blockchain, os NFTs são perfeitamente capazes de satisfazer a esses dois critérios fundamentais.
Um novo mercado de arte digital
Assim, surgiu um verdadeiro mercado de arte digital em paralelo ao crescrimente de NFT. As plataformas de mercado permitiram a venda e a troca desses tokens entre pares, ou seja, sem intermediários. Com o boom dos NFTs, os preços desses ativos digitais também dispararam. Várias vendas desses itens atingiram valores na casa dos milhões de dólares. Por exemplo, em março de 2021, a obra Everydays: the First 5000 Days (imagem acima), criada pelo artista norte-americano Beeple, foi vendida pela exorbitante quantia de US$ 69 milhões. Para perceber a magnitude do evento, é importante saber que, nesse contexto, Beeple tornou-se o terceiro artista vivo mais caro do planeta. Os dois primeiros são Jeff Koons e David Hockney, que oferecem obras de arte físicas, não digitais!
Na realidade, o potencial do NFT no campo das artes é imenso. Primeiramente, ao contrário do mercado de arte tradicional, é fácil entrar no mundo dos NFTs (saiba mais sobre NFTs aqui). Na verdade, qualquer pessoa pode embarcar neste universo. Se o token em questão encontrar o seu público, o proprietário pode ganhar muito dinheiro e, ainda mais importante, notoriedade. Dessa forma, os NFTs permitiram o surgimento de uma nova espécie de artista.
Contudo, os NFTs também são muito úteis para nomes já conhecidos e presentes no mercado tradicional. A tecnologia representa uma forma de diversificar a oferta dos artistas, aumentar seus rendimentos e alcançar um público diferente. Alguns profissionais compreenderam isso muito bem e reproduziram digitalmente algumas das suas obras de arte para disponibilizá-las no formato de NFT. Nessa perspetiva, os tokens constituem, portanto, um excelente veículo de marketing para um setor artístico geralmente associado ao isolamento. O mesmo princípio pode ser aplicado a museus e outras instituições culturais, que podem reproduzir à vontade algumas das suas obras em NFT.
Mercado de arte tradicional e NFTs
O explosivo crescimento dos NFTs em 2021 foi tão marcante, que a capitalização desse setor atingiu a marca de US$ 41 bilhões. Apesar de uma queda nos anos seguintes, o mercado de NFT ainda apresenta uma capitalização de mercado alta. Até o terceiro trimestre de 2023, ela estava na marca de US$ 2,5 bilhões.
Inevitavelmente, os participantes do mercado de arte tradicional (física) não puderam ignorar por muito tempo esse novo fenômeno! Casas de leilão, artistas e até mesmo museus estão se aproximando cada vez mais do mundo dos NFTs. Alguns já desfrutam de suas possibilidades.
Por exemplo, o Hermitage, famoso museu de São Petersburgo, na Rússia, oferece algumas de suas obras sob a forma de NFTs. Isso inclui a Madona Litta (imagem acima), de Leonardo da Vinci, e a pintura Canto do jardim em Montgeron (imagem abaixo), de Claude Monet. O Museu Britânico acompanha o movimenta e já comercializa reproduções digitais de algumas de suas obras.
O mesmo vale para as leiloeiras, como a famosa Christie’s, do Reino Unido. Em 2021, a Christie’s somou US$ 150 milhões em vendas de NFTs. O sucesso da empreitada levou a casa de leilão a lançar sua própria plataforma em blockchain dedicada a NFTs, a Christie’s 3.0. Isso possibilitou que seus leilões fossem totalmente realizados digitalmente na rede Ethereum.
Fatos como esses não deixam dúvidas de que os tokens não fungíveis estão longe de ser moda passageira. Ao contrário, eles representam verdadeiramente um novo tipo de arte em um setor florescente, com potencial de movimentar fortunas.
“Além dos nossos resultados em leilões e vendas privadas, que são excepcionais, a Christie’s também tem explorado novos formatos e categorias de venda, incluindo NFTs. Eles nos permitem apresentar obras de novos artistas emergentes e sub-representados, atingindo um novo público mais jovem”, declarou Guillaume Cerutti, CEO da casa de leilão.
NFTs, mais do que uma nova forma de arte
Mas afinal, o NFT representa de fato uma nova forma de arte digital? Certamente alguns NFTs estão diretamente ligados à arte contemporânea. No entanto, esse não é o caso da maioria deles. Por exemplo, é interessante analisar as principais coleções lançadas recentemente. O público pode encontrar séries como CryptoPunks, Bored Ape Yacht Club (BAYC) e Mutant Ape Yacht Club (MAYC), que tiveram alguns dos seus NFTs vendidos por vários milhões de dólares. Muitas celebridades e atletas renomados, como o futebolista brasileiro Neymar Júnior, possuem esses NFTs.
No entanto, os tokens nessas coleções são algorítmicos criados por computador. A maioria deles representa um retrato, geralmente o de um macaco, enquanto outros, como os da coleção CryptoPunks, são bastante pixelizados.
A agitação em torno desses NFTs confunde um pouco os conceitos relacionados à arte. Na verdade, como qualificar essas “miniaturas digitais”? Embora esses itens tenham conexões com a arte contemporânea e a cultura pop, elas abrem principalmente caminho para um novo tipo de arte. Não há garantia de que essas coleções manterão seu valor ao longo dos anos, mas é inegável que encontraram rapidamente o seu público. Uma reflexão deste sucesso, nota-se na crescente popularidade da plataforma Open Sea, onde pode-se comprar e vender NFTS. Exchanges já estabelecidos no mercado de criptomoedas como a Binance NFT market place, por exemplo, também possibilitam investimento nesta forma de arte digital.
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Quadro jurídico
A ascensão dos NFTs tem sido um fenómeno notável no mundo digital e no mercado global de arte e colecionáveis. Em Portugal, tal como em outros países, a crescente popularidade desses tokens levanta questões jurídicas e regulamentares interessantes. A seguir, exploraremos o enquadramento legal dos NFTs, incluindo como são classificados, e a evolução das regulamentações que possibilitam vender arte como NFT.
Ativos intangíveis
Em Portugal, os NFTs são geralmente classificados como ativos intangíveis, digitais ou propriedade virtual. Isto significa que não são considerados moedas ou criptomoedas, mas sim representações digitais únicas de itens como: peças de arte, música, vídeos e outros objetos colecionáveis. A Autoridade Tributária e Aduaneira do país considera os NFTs como bens sujeitos a tributação quando há transações comerciais envolvidas, incluindo a venda e revenda desses bens incorpóreos.
No que se refere ao leilão de NFTs, não há em Portugal uma regulamentação específica para a atividade, e a lei portuguesa não proíbe a sua venda. Assim, as leiloeiras estão autorizadas a realizar leilões de qualquer tipo de bem, incluindo os digitais.
No entanto, existem algumas regras e regulamentos que obrigam as leiloeiras a divulgar informações sobre os riscos associados aos NFTs, como a volatilidade dos preços. Além disso, as entidades que promovem essas atividades são obrigadas a garantir a autenticidade dos itens vendidos bem como o direito de venda da peça. Para garantir a segurança da sua compra, podes utilizar os serviços de corretoras como a Libertex para a compra de NFTs em Portugal.
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França, um caso à parte
Em 3 de junho de 2021, o Conselho das Vendas Voluntárias da França solicitou a opinião de Cyril Barthalois, membro do Conselho e Secretário-Geral da Academia de Belas-Artes daquele país. A questão era a seguinte: “Devem os leiloeiros públicos que exercem a sua atividade em território nacional francês ser autorizados a vender NFT numa venda voluntária em hasta pública?”. Em resposta, uma nota de 20 de janeiro de 2022 confirmou que a atividade de venda em hasta pública é reservada a “móveis e efeitos móveis corpóreos”. No entanto, os NFT são considerados “ativos digitais” pela lei, ou seja, “bens incorpóreos”. Assim, as casas de leilão não poderiam, portanto, vender NFT.
Face a este impasse, algumas leiloeiras francesas mostraram imaginação para vender NFT sem sair da lei. Como? Algumas casas, como a Aguttes ou Boischaut, armazenaram o NFT dentro de um bem corpóreo. Em teoria, a venda era a de uma chave USB contendo um NFT, de uma impressão em papel que representa o NFT ou ainda de um NFT emoldurado.
Outras casas de leilão simplesmente deslocalizaram as vendas desses ativos digitais para os seus escritórios no estrangeiro. Foi o caso, por exemplo, da casa Million, que organizou sua primeira venda de itens 100% NFT a partir da sua filial de Bruxelas. Outras passaram a organizar a venda de NFTs no metaverso. Um exemplo é a casa Aguttes, que organizou a sua primeira venda privada de NFT no metaverso em fevereiro de 2022.
Evolução
O sucesso dos NFT tem o mérito de fazer mover as linhas ao nível jurídico. De fato, a nota entregue ao Conselho das Vendas Voluntárias francês em 20 de janeiro de 2022 incluía várias propostas para adaptar o quadro jurídico vigente. O Conselho pronunciou-se favoravelmente a uma “alteração da lei, desde que sejam ao mesmo tempo fornecidas mais informações sobre o ambiente jurídico dos NFT”. Consciente de que uma tal alteração vai demorar algum tempo, o Conselho expressou a necessidade de implementar um “regime temporário e excecional, que poderia ser baseado num procedimento declarativo para permitir às casas de leilão operarem rapidamente neste mercado”.
Finalmente, a alteração da lei foi mais rápida do que o previsto. Em 22 de fevereiro daquele ano, os senadores franceses aprovaram em segunda leitura uma lei que visa modernizar a regulamentação do mercado da arte. Entre muitos outros pontos, esta reforma autoriza a venda de bens incorpóreos.
Desafios futuros
Além das questões jurídicas que vão se ajustam conforme a sociedade se organiza em torno deste assunto em Portugal e outros países da Europa e do mundo, os NFT ainda têm um longo caminho a percorrer para se estabelecerem realmente no domínio da arte.
Outro desafio fundamental diz respeito ao ambiente. Como explicado acima, do ponto de vista tecnológico, os NFTs continuam a ser tokens, assim como as criptomoedas (saiba mais sobre criptomoedas com o nosso guia detalhado). No entanto, as moedas digitais levantam muitas preocupações no que se refere às questões ambientais. É verdade que, para o seu funcionamento, algumas criptos envolvem atividades denominadas de mineração, que estão longe de serem neutras do ponto de vista ambiental. Para se ter uma dieia, somente a mineração de Bitcoin exige anualmente três vezes mais energia do que o volume consumido em Portugal no mesmo período. Isso fez com que muitos artistas expressassem preocupação sobre este assunto e recusam-se a integrar o domínio dos NFT por essa razão.
Esta questão vai além do âmbito estrito dos NFT e diz respeito ao futuro do domínio cripto em geral. Face a este desafio, muitas criptomoedas têm desenvolvido soluções para reduzir a sua pegada ambiental. A cripto Ethereum, principal player no setor dos NFT, está prestes a implementar uma versão 2.0 muito mais amigável em termos ambientais.
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